No mar desse inferno, moléculas de carbono encontraram um porto seguro. E começaram a se juntar, formando cadeias cada vez mais longas e complexas. Uma hora, como quem não quer nada, apareceu um estranho nesse ninho. Um acidente da natureza. Era uma molécula capaz de se replicar, de sugar matéria orgânica do ambiente e usar como matéria-prima para produzir cópias dela mesma. Motivo? Nenhum: ela fazia réplicas por fazer e pronto. Vai entender...
Essa aparição foi algo tão improvável quanto se este computador comesse seus dedos agora e, a partir dos átomos da sua carne, pele e ossos, construísse uma cópia dela mesma. Improvável, mas foi exatamente o que aconteceu naquele dia. E não havia nada ali para conter o apetite da monstruosa molécula.
Ainda mais porque arranjar matéria-prima, ou seja, “comida”, nesse oceano primitivo era fácil: bastava “pescar” nutrientes na água. Assim ela cresceu e se multiplicou. Mas tinha um problema: nem sempre as réplicas saíam perfeitas. Às vezes acontecia um erro de cópia aqui, outro ali. Surgiam aberrações. “Um livro e tanto escreveria o capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza!”, escreveria Darwin sobre esse processo bilhões de anos depois.
Esses erros aconteciam bem de vez em quando: um a cada milhão de réplicas. Mas tempo é o que não falta nesse mundo. Então eles foram se acumulando mais e mais. Só que alguns não davam em aberrações. Muito pelo contrário. Algumas réplicas nasciam com uma mutação que as fazia se multiplicar mais em menos tempo. E não demorou para essas mutantes mais férteis dominarem o mar. Só isso já é um tipo de seleção natural. Mas a regra de Darwin só deu as caras para valer quando aconteceu o inevitável: o mundo ficou pequeno para tantos replicadores. Com a superpopulação, os ingredientes de que eles precisavam para fazer suas cópias rarearam. Era a primeira crise de fome no planeta.
A saída? Ir para a briga. Mas estamos falando de moléculas, que não têm lá muito poder de decisão. Foi aí que provavelmente surgiu uma mutação inédita, que permitia a algumas moléculas comer outros replicadores. Assim elas conseguiam eficiência total: arranjavam almoço e eliminavam rivais ao mesmo tempo. Mas o domínio não duraria para sempre. Com o tempo surgiram mutantes com capa protetora natural. Com essa armadura, dava para comer os rivais sem o risco de ser comido. Nasciam as primeiras células do mundo. “Os replicadores deixavam de meramente existir e começavam a fazer contêineres para eles, veículos para que pudessem continuar vivos. Os que sobreviveram foram os que construíram ‘máquinas de sobrevivência’ para si”, escreveu o mais notório dos neodarwinistas, o zoólogo Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Não demorou para virem células mutantes ainda mais terríveis contra as rivais. Elas tinham o poder de juntar forças com outras células e atacar unidas. E de fazer cópias de si mesmas numa tacada só, como se todas fossem uma única molécula. Surgiam os primeiros seres multicelulares.
E eles ficaram cada vez mais complexos: suas células passaram a assumir funções distintas para operar sua máquina de sobrevivência. Faziam como soldados num tanque de guerra: umas ficavam a cargo da locomoção, na forma de nadadeiras; outras, dos “satélites” para encontrar comida (visão, olfato).
E o progresso nunca parou. Tanto que hoje boa parte dos replicadores vive em “robôs” imensos, feitos de milhares de trilhões de células. Agora os chamamos de genes, e eles estão dentro de nós. Somos sua máquina de sobrevivência.
[Quer saber qual é o "Sentido da Vida"? Volte amanhã e descubra!!!]
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